Neste artigo tencionamos tratar da psicologia aristotélica, consignada no Sobre a Alma (De Anima). Não temos a intenção, porém, de fazer uma análise exaustiva da obra, nem sequer de esclarecer todas as aporias que ela deveras desperta. Na verdade, o que desejamos destacar é tão-somente a natureza e a função do intelecto atual na psicologia do Filósofo. Sem embargo, na nossa concepção, para além das aporias que a doutrina do intelecto atual suscitou ao longo dos séculos entre os comentadores de Aristóteles, é possível acentuar certos tópicos que se apresentam de forma clara e precisa nos textos do Estagirita. Dentre estes “tópicos”, um que parece consolidado é o de que o intelecto atual, e, de certo modo, a própria alma racional como um todo, não possuem a mesma origem da alma sensitiva e da alma nutritiva, pois não se reduzem à matéria; não podem provir da matéria, porque não estão imersas nela nem sequer em potência, pois possuem uma operação que a transcende de todo.
Agora bem, sabemos que Aristóteles não desvincula o estudo da physis do estudo da alma. De fato, se o estudo da physis é o estudo do universo, o estudo acerca da alma faz parte daqueles escritos que contemplam os seres que habitam este universo: os inanimados, os animados desprovidos de razão e os animados dotados de razão (o homem). Para os seres animados o Estagirita dedica uma série de tratados. Ora, merece particular atenção o Sobre a Alma, tanto pela sua originalidade, quanto pela sua profundidade e rigor demonstrativo. Nele Aristóteles privilegia os animais dotados de razão, isto é, os homens. E sobre o homem, especula, mormente, acerca da natureza da sua alma, que é o princípio interno que lhe dá a vida e preside todas as suas operações. Agora bem, o cume do tratado, segundo nos parece, encontra-se no registro da doutrina do intelecto atual, posto que, na nossa perspectiva, é nela que o Estagirita ultrapassa a physis, encontrando, por assim dizer, o elo entre a natureza e o que a transcende, isto é, o eterno e o divino. Na verdade, é este ponto de ligação que, ao mesmo tempo, apresenta-se sob o signo de transcendência, que nos interessa aqui. Ora bem, ele encontra o seu lugar na alma humana, mais precisamente na alma racional, mais exatamente ainda, como já dissemos, no intelecto atual. No texto iremos explicitar em que consiste sua singular função.
Para chegarmos a estes desdobramentos, iremos atender à seguinte ordem de exposição: primeiro, situaremos o conceito de alma em Aristóteles; analisaremos a tripartição da alma que Aristóteles estabelece; coligiremos as principais características da alma vegetativa, sensitiva e racional. Por fim, passaremos à conclusão do ensaio.
Para trafegarmos nesta temática, além do Sobre a Alma, que, logicamente, é o texto básico que frequentaremos, lançaremos mãos de uma bibliografia hoje clássica, a saber, Storia della filosofia antica, in cinque volumi, do historiador e estudioso da filosofia Giovanni Reale. Disporemos da edição brasileira – História da Filosofia Antiga: II Platão e Aristóteles – lançada pelas Edições Loyola e trazida ao vernáculo por Marcelo Perine e Henrique Cláudio de Lima Vaz. A edição da qual faremos uso remonta ao ano de 1994.