Este ensaio versa sobre as relações entre virtude, educação e contemplação em Aristóteles, a partir da sua obra: Política. Não se trata de um comentário literal, nem espera resolver todas as aporias que ela suscita. Não tem tampouco a pretensão de exaurir toda riqueza dos temas que ela contempla.
O nosso objeto de estudo é bem mais modesto, e está circunscrito nos temas arrolados acima, se bem que possua um eixo comum, que é a nossa tese de fundo, a saber, a vida na pólis não é um acidente, isto é, os homens não vivem em sociedade por uma convenção artificial. Ao contrário, o homem é um animal sociável por natureza. Outrossim, defendemos que, conquanto distintos, os domínios da família e das vilas e a tangência do Estado não se opõem por uma oposição excludente; ao contrário, pensamos que a vida da família e a da vila se destinam, por natureza, à perfeição do Estado, à vida na pólis, que é a comunidade perfeita. Destarte, na nossa concepção, o Estado é o todo do qual o indivíduo, a família e a vila são as partes. E como o todo precede as partes que, sem ele, não existem, assim o indivíduo, a família e a vila – segundo cremos – não subsistiriam sem o Estado, que é autárquico.
Agora bem, a função precípua do Estado, a nosso modo de ver, é formar cidadãos virtuosos. Ademais, na nossa perspectiva, é pela educação que ele forma estes cidadãos. Ora, embora esta educação privilegie, num primeiro momento, o corpo e os instintos, os impulsos e apetites, em seguida ela passa a eleger a alma racional, fazendo com que ela desenvolva não só as virtudes éticas como as virtudes dianoéticas, máxime a contemplação, cujo ápice encontra-se na visão das coisas excelsas e divinas.
Ora, de acordo com a nossa concepção, parece ser nesta contemplação, que, conquanto em si mesma, não esteja ordenada à prática, que reside a virtude por excelência, inclusive no que concerne à vida prática, e até mesmo em relação à vida política. Com efeito, sem ela nenhum bem e nenhum fim podem ser alcançados com perfeição. Estamos falando, evidentemente, da virtude da sapiência (sophia). Partindo destes pressupostos, tentaremos mostrar, no desenrolar do presente texto, que não há, em Aristóteles, uma contradição entre vida contemplativa e vida ativa, entre a ética, que é a dimensão própria do indivíduo, e a política, que pertence ao domínio da pólis; ao contrário, todas estas instâncias se complementam. Por conseguinte, pensamos que não existe um “aniquilamento” da vida do indivíduo na vida da pólis. Pelo contrário, a “boa existência”, que é o objeto formal da vida na pólis, passa pela educação de homens, isto é, de indivíduos virtuosos. De uma forma geral, estes são os principais movimentos dos argumentos arrolados neste artigo.
Para desenvolver esta temática, iremos falar, primeiro: do estado, sua origem e função; depois, da família, seu papel e lugar na hierarquia dos fins; em seguida, do cidadão; posteriormente, das formas do Estado e do Estado ideal; por fim, diremos algo acerca da contemplação e das suas relações com a vida prática.
Para discorrermos sobre estes tópicos, além da Política, que, logicamente, será o nosso texto básico, lançaremos mãos de uma bibliografia clássica, a saber, Storia della filosofia antica, in cinque volumi, do historiador e estudioso da filosofia Giovanni Reale. Disporemos da edição brasileira – História da Filosofia Antiga: II Platão e Aristóteles – lançada pelas Edições Loyola e trazida ao vernáculo por Marcelo Perine e Henrique Cláudio de Lima Vaz. A edição da qual faremos uso remonta ao ano de 1994. |