Porém, onde Deus entra nisto? Ocorre que, esta mesma natureza humana a qual o cidadão quer realizar plenamente, foi criada por Deus. Ademais, nela – na natureza criada – encontram-se leis, também elas dimanadas do intelecto divino. Ora, ao Estado – cuja missão não é senão patrocinar, por meio de leis, a virtude humana– importa fazer derivar, da própria lei natural, as leis humanas; ambas, por sua vez – conforme já acenamos – procedem da lei eterna de Deus.
O próprio princípio de autoridade – dispositivo constitutivo de toda associação humana– provém, em última instância, de Deus. Em, Do Governo dos Príncipes, o Boi Mudo é taxativo ao dizer de onde procede, no fim das contas, a autoridade do rei: “Saiba, por conseguinte, o rei que recebeu este múnus a fim de ser no reino como a alma no corpo e Deus para o mundo”. E vai mais longe ainda, ao afirmar, categoricamente, que o rei, enquanto rege de acordo com a reta razão, faz às vezes de Deus no reino: “(...) ponderando ter sido destinado a exercer no reino o julgamento em lugar de Deus (...)”. No Comentário ao Salmo II adverte aos cidadãos, dizendo: quem se insurge contra o rei – no exercício legítimo de sua função – insurge-se contra aquele que o instituiu: Deus.
Desta sorte, parece-nos insuficiente dizer que Tomás funda a lei e a autoridade, pura e simplesmente, na razão. Deveras é nos ditames da razão que o Aquinate, de certa forma, coloca a origem das leis e da própria autoridade que regem a Civitas. Contudo, é de todo necessário acrescentar que, a razão – em Tomás – não é senão a presença em nós da forma do governo universal. A lei da razão é a participação do homem na Providência Divina. Desta feita, o homem representa – na sua própria constituição – o governo universal. De modo que ele pode ser chamado, com razão, de um microcosmo. Com efeito, no homem se pode verificar, em menores proporções, o que ocorre no universo: os seus membros e as faculdades da alma se encontram tal como se verifica no caso do universo, isto é, sujeitos à razão que, no homem, é o que Deus é para o mundo.
Além do mais, a própria preferência de Tomás pela Monarquia não deixa de estar fundada em uma razão que ele tira da sua teologia natural. Por conseguinte, verificamos também que, a redução da política tomásica a uma mera indução antropológica é uma solução – a nosso ver – incompleta. De fato, se por vezes Tomás se refere, analogamente, à sociedade como sendo um homem tomado em grandes proporções, não nos devemos esquecer, por isso mesmo, de que o próprio homem, como vimos acima, não é senão um analogado que representa o governo universal de Deus. De forma que, segundo o nosso parecer, é somente no âmbito da sua teologia natural que as categorias ético-políticas do Aquinate ganham completa inteligibilidade. |