Neste artigo abordaremos o conceito de filosofia entendida como “filosofia do revelável”, em Tomás de Aquino. A fim de tratarmos neste tema, procederemos, inicialmente, definindo qual seja o objeto da metafísica. Ao tomarmos ciência de que o objeto da metafísica é Deus, passaremos a analisar como chegamos a Deus em metafísica e em que consiste este conhecimento de Deus que nos proporciona a metafísica.
Ao adentrarmos neste tópico, tomaremos nota de que, em relação a nós, há duas ordens de conhecimento acerca das coisas divinas: uma primeira ordem de verdades divinas que ultrapassa o nosso entendimento e outra ordem acerca das coisas divinas que foi objeto de demonstração dos antigos filósofos. Constataremos, desta feita, que é da segunda ordem que cuida a investigação metafísica. Verificaremos também que, ciente da precariedade com que estas verdades, de per si acessíveis a nossa razão, chegariam até nós, aprouve a Deus, na sua infinita sabedoria, revelá-las também. Desta forma, quem não consegue apreendê-las por via demonstrativa, poderá assentir a elas mediante um ato de fé na autoridade divina.
Do que foi dito, resultam alguns corolários que arrazoaremos. Neste sentido, faremos notar que não se podem ter, acerca de uma mesma verdade, fé e ciência. Ademais, que a razão e a Revelação, porquanto provindas da mesma sabedoria divina, não podem, ipso facto, entrar em contradição. Que, a despeito do conhecimento que a metafísica nos pode dar, urge admitir a necessidade de um conhecimento essencialmente revelado acerca de Deus, pois em metafísica só conhecemos a Deus mediante as suas criaturas, o que torna tal conhecimento muito débil, porque a virtude divina excede infinitamente a de seus efeitos. Mister, por isso mesmo, é admitir a necessidade de uma Revelação, que nos coloque de posse de um conhecimento menos imperfeito no que concerne às coisas divinas.
Veremos que a razão pode colaborar com a fé de muitas maneiras. Primeiro, demonstrando o que é passível de demonstração na Revelação. Segundo, refutando como errôneas ou não conclusivas, as razões aduzidas contra o dado revelado. Com efeito, embora a razão nunca possa pretender demonstrar o dogma, pode ao menos demonstrar que a tese que o contraria é falsa. Enfim, a razão pode ajudar-nos a levantar algumas razões verossímeis acerca dos mistérios para a instrução dos fiéis.
Também a fé pode ser de grande utilidade à razão. De fato, se ambas provêm de uma única sabedoria, não podem entrar em contradição, pois a verdade não pode ir de encontro à verdade. Assim, toda vez que uma tese racional estiver em contradição com o dado revelado, este deve prevalecer sobre aquela, já que, enquanto a razão pode falhar, Deus possui uma infalibilidade onímoda. Além disso, tentaremos deixar patente que é justamente a este modo de fazer filosofia que chamamos de “filosofia do revelável” e que mais tarde será chamada de “filosofia cristã”. Nela, nem a teologia, nem a filosofia, abdicam dos seus métodos próprios.
Por fim, envidaremos esforços para atestar que, a despeito de o conhecimento acerca de Deus nesta vida ser mísero, ele é o ápice do conhecimento humano, visto que a grandeza de um conhecimento não se mede apenas pelo grau de certeza que obtemos do seu objeto, mas também pela eminência e dignidade deste objeto.
Em nossa exposição, teremos dois textos básicos: a Summa Theologiae de Tomás, na sua mais recente tradução brasileira – empresa de fôlego das Edições Loyola –, que resultou no aparecimento de nove volumes, entre os anos de 2001 a 2006, e o clássico Le Thomisme (1919) de Étienne Gilson, o qual frequentaremos na sua versão castelhana (1951) – única autorizada do original francês – por Alberto Oteiza Quirino: El Tomismo: Introducción a La Filosofía de Santo Tomás de Aquino. |