Conhecer o homem é, de certo modo, conhecer toda a criação, porquanto, “No homem se encontram de certo modo todas as coisas”. De fato, quando pensa, o homem assemelha-se aos anjos; quando sente, é semelhante aos animais; ao nutrir-se, assemelha-se às plantas; porque tem um corpo, torna-se semelhante aos seres inanimados. Agora bem, todas estas ações, conforme descrevemo-las, encontram-se, no homem, sob o domínio da razão. Com efeito, é a razão que torna o homem diferente dos anjos, posto que os anjos conhecem por intuição, e não por raciocínio; é também a razão que torna o homem distinto dos animais, porque, no homem, a sensibilidade encontra-se sob o domínio da razão; ademais, algumas das suas funções vegetativas, ele pode realizá-las voluntariamente, como a alimentação, a manducação dos alimentos, além de poder valer-se delas para a sua utilidade; por fim, o seu corpo realiza uma certa unidade do todo com as partes, não é um amontoado de matéria como os corpos inanimados. Destarte, assim como o homem, pela sua razão, domina as coisas que nele se encontram, de igual modo ele pode dominar as coisas que estão fora dele: os seres inanimados, as plantas e os animais. Sem embargo, é nisto que consiste a sua superioridade: ele pode fazer uso de todas as coisas livremente através da sua razão. Portanto, na ordem material “A razão no homem ocupa o lugar do que domina, e não do que está submetido à dominação”.
O presente texto pretende estudar o homem, animal rationalis. A ordem na qual procederemos será, formalmente, a mesma adotada pela Summa Theologiae I, quaestiones 75 a 77. Evitando dar uma feição apologética a nossa expositio de homine, o texto se concentrará mais na respondeo de cada questão, só recorrendo às respostas às objeções quando isto se fizer necessário para o esclarecimento do próprio argumento expositivo. Alguns enxertos na ordem proposta serão feitos, sem, no entanto, quebrá-la, pois a abordagem do Aquinate acerca do homem não se resume às questões acima citadas.
A ordem será essa: primeiro, consideraremos a natureza do homem. E, na consideração da sua natureza, a alma humana ocupará lugar privilegiado, sendo que o corpo só será contemplado em nossa análise, enquanto estiver relacionado com a alma. Agora bem, quanto à alma, será objeto de estudo primeiro o que concerne à sua essência, depois o que seja conducente à sua potência. Consoante a própria essência da alma, duas coisas elegeremos como objeto de análise: a alma em si mesma e a alma no que se refere à sua união com o corpo.
Com respeito à alma em si mesma, o objeto da nossa pesquisa será: saber se a alma é um corpo; se ela é algo subsistente; se o homem é sua alma ou se é um composto de corpo e alma; se a própria alma é composta de matéria e forma; se ela é incorruptível; enfim, se a alma humana é da mesma espécie que a do anjo. Nesta questão inserimos, de nossa parte, a diferença entre princípio de individuação e princípio de individualidade.
No que se refere à união da alma com o corpo, contemplaremos, em nossa investigação: se o princípio intelectivo se une ao corpo como forma; se este princípio se multiplica numericamente com a multiplicação dos corpos ou se há um princípio intelectivo para todos os homens; se em um corpo que tem um princípio intelectivo como forma, há outra alma; se pode haver, num mesmo ente, mais de uma forma substancial; se o corpo humano é apto para receber o princípio intelectivo; se este princípio intelectivo se une ao corpo mediante outro corpo ou intermediário; se a ele está unido por acidente, e se alma está tota em toda parte do corpo.
No que diz respeito às potências da alma, faremos delas apenas uma abordagem geral. Analisaremos: se a essência da alma é sua potência; se a alma possui uma ou várias potências; se várias, como tais potências se distinguem; se há, entre as potências, uma ordem; se a alma é sujeito de todas as suas potências; se estas potências emanam da essência da alma; se uma potência procede da outra; se todas elas permanecem após a morte.
Alguns artigos foram omitidos e outros serão expostos somente de maneira concisa, conforme a relevância ou não da sua abordagem para a filosofia. Passemos ao desenvolvimento do que propusemos. |