Reza antiga tradição que Anselmo nasceu em Aosta, região de fronteira com a Suíça, em 1033. Contra a vontade do pai, ingressou na vida monástica e rumou para Paris, onde veio a tornar-se monge beneditino, no mosteiro de Bec. Educado nas ciências pelo prior Lanfranco, ao qual sucedeu no mesmo mosteiro em 1063, foi durante o interregno do seu priorado que ele pôde desenvolver, de forma mais intensa, a sua atividade filosófica, compondo neste período as suas obras-primas. Já abade do mosteiro, com a morte do seu antigo mestre, Anselmo foi sagrado Arcebispo de Cantuária. Como Arcebispo, teve que se envolver em querelas intermináveis para defender a primazia do poder espiritual sobre o temporal. Veio a falecer em 1109.
No presente texto, procuraremos seguir Anselmo, antes de tudo, em seu Monologium, onde nos propõe provar a existência de Deus. Todavia, para podermos começar a nossa exposição, mister é destacarmos algumas peculiaridades da obra. O Monológio é uma meditação escrita por Anselmo a pedido de seus irmãos de hábito e versa sobre a essência divina. Seus confrades, cientes da sua estatura intelectual, posto que já o tinham ouvido discorrer sobre temas teológicos profundíssimos, pediam, agora, para que ele os transcrevesse. Neste intuito, elaboraram um plano de trabalho ao qual Anselmo deveria manter-se fiel. Ei-lo, sinteticamente: sem recorrer à fé ou à revelação, demonstrar, unicamente pela razão, as verdades da fé nas quais todos já criam com devoção. Exigiram-lhe, ademais, simplicidade e clareza lógica, a fim de que todos pudessem entender o seu escrito e apreender a verdade nele contida.
Nosso filósofo mostrou-se reticente num primeiro momento, mas fora vencido pela persistência dos irmãos. Procurou, então, desenvolver a obra num espírito de ortodoxia e fidelidade aos Padres da Igreja, máxime a Agostinho. Não tinha a pretensão de ser inovador e queria que a sua obra fosse julgada pelo crivo do De Trinitate do Bispo de Hipona. Anselmo procede da seguinte forma: estabelece, antes de qualquer coisa, a existência do sumo bem; em seguida demonstra a existência de um ser supremo; prova, afinal, que este sumo bem se identifica com o ser supremo; por fim, esclarece que existe apenas um ser supremo. Em outra obra, o Proslogion, arremata o argumento, dizendo que este ser é tal que dele não se pode pensar nada maior. Ora, sendo a existência um bem, e, sendo o ser do qual não se pode pensar nada maior idêntico ao bem supremo, segue-se que o ser do qual não se pode pensar nada maior existe, necessariamente, no pensamento e na realidade, pois existir no pensamento e na realidade é maior do que existir somente no pensamento. Sendo assim, o ser do qual não se pode pensar nada maior não pode não existir e nem ser pensado como não existente; fosse diferente, ele não seria o ser do qual não se pode pensar nada maior, pois lhe faltaria a perfeição da existência. Reproduziremos, sucintamente, a objeção de Gaunilo – confrade de Anselmo – ao argumento do Proslogion, bem como, concisamente também, nos esmeraremos por explicar a resposta de Anselmo à referida objeção. Seguir-se-ão as considerações finais do texto.