Filho de gentios, nascido em Cartago por volta do ano 160 da nossa era, Quinto Setímio Florêncio Tertuliano foi o primeiro nome de relevo na história da patrística latina. Trata-se de um protagonista da comunidade cristã africana. Ainda mancebo, Tertuliano levava uma vida dissoluta e costumava zombar dos cristãos. No entanto, tocado pela perseverança dos mártires, tornou-se ele próprio cristão. Segundo atesta Jerônimo, parece não ter sido sacerdote e era casado. Seus ideais de severa correção moral fizeram-no aderir à seita montanista (Esta heresia surgiu com um sacerdote pagão, convertido ao cristianismo, que se dizia a própria encarnação do Espírito Santo, portador de uma nova revelação). Deixou-a, contudo, para fundar a sua própria seita, os tertulianistas. Estes existiam ainda no tempo de Santo Agostinho. O Bispo de Hipona reconciliou-os com a Igreja. A data da morte de Tertuliano é-nos desconhecida; provavelmente, depois do ano 220.
Gênio forte, Tertuliano formou-se em jurisprudência. A bem da verdade, tinha todos os traços de um grande jurista. Dominava a língua latina e foi o autor que mais influenciou a construção do latim eclesiástico. Suas fórmulas incisivas, influenciaram, sobremaneira, a terminologia teológica. Expressões como “Um Deus em três pessoas” e “Trinitas” tornaram-se clássicas no vocabulário teológico. Ademais, Tertuliano foi o escritor mais fecundo na patrística latina antes de Constantinopla, também o mais original depois de Agostinho. Embora exímio latinista, como assinalam alguns pesquisadores da patrística, Tertuliano mais deslumbra do que convence. O seu primeiro discípulo foi São Cipriano.
Neste artigo, tentaremos pôr em evidência o caráter “anti-filosófico” do pensamento de Tertuliano. Discriminaremos, desta feita, em que consiste o seu famoso argumento, baseado no direito de prescrição romano, pelo qual impugna a posse das Escrituras pelos gnósticos. Em seguida, verificaremos como do direito de prescrição ele infere razões para interditar a possibilidade do livre exame das Escrituras por parte da gnose. Sendo um tradicionalista, acredita que o cristianismo não comporta progressos de qualquer sorte, mas apenas a aceitação integral e fiducial do que foi transmitido pelos antigos. Veremos, ademais, como Tertuliano exclui da sua concepção da religião cristã, qualquer chance de conciliação desta com o gênio especulativo dos filósofos, chegando a chamá-los de patriarcas dos hereges. Por fim, tentaremos colocar discussão a procedência ou não, em sua doutrina, da conhecida sentença atribuída a ele: “credo quia absurdum”. Seguir-se-ão as considerações finais do nosso texto.