Anselmo é, sem nenhum favor, chamado de o Pai da Escolástica. Talvez isto se deva à sua doutrina acerca das relações entre fé e razão. Nele, o pensamento cristão parece encontrar uma máxima que o norteará séculos afora: Neque enim quaero intelligere ut credam, sed credo ut intelligam. Estamos no século XI. Anselmo se encontra entre dialéticos e teólogos, sendo que uns e outros defendem posições extremadas. Do lado dos dialéticos, pretende-se compreender tudo pela razão, como se a fé fosse dispensável. Por parte dos teólogos, a especulação racional parece não encontrar espaço dentro da teologia. Ora, o Arcebispo de Cantuária revela o seu gênio conciliador, ao propor a fórmula: fides quaerens intellectum. Se, por um lado, os dialéticos devem ceder a primazia à fé, por outro, os teólogos devem admitir que não procurar investigar o que se crê é negligência.
Agora bem, é justamente nesta solução – i.é, no fides quaerens intellectum –, aparentemente inquestionável, que surgem os mais árduos problemas. Com efeito, tudo se passa como se fosse possível compreender pela razão, a totalidade daquilo em que se crê por fé! Deste modo, embora não tendo a pretensão de esgotar o mistério, Anselmo tenta propor rationes necessariae pelas quais julga exequível à razão humana poder admitir a necessidade da Trindade e da própria Encarnação. Em nosso modesto texto, intentamos mostrar como, para Anselmo, deve-se primeiro crer para depois se poder compreender. Uma vez tendo aderido aos artigos de fé, pela fé, pensa Anselmo ser possível à razão prescindir da revelação – sem prescindir da piedade – a fim de poder apreender os artigos de fé por suas próprias forças. Aliás, este processo acontece espontaneamente e olvidá-lo seria negligência, pois a fé busca compreender. Entretanto, a falar com exação, parece que Anselmo, mormente no argumento acerca da existência de Deus, consignado no Proslogion, não consegue abster-se do dado revelado na sua especulação racional. Tentaremos, com esmero, frisar isto. Tencionamos, ademais, mostrar que, conquanto o Bispo de Cantuária não tente decodificar os mistérios da fé em esquemas racionais, tenta dar a eles “rationes necessariae”, o que o leva a atribuir à razão poderes quase ilimitados e a confundir, de certo modo, teologia com filosofia.