É comum a objeção segundo a qual a moral que emana da teologia medieval resultaria de uma forma antinatural de ver o homem, e torna-se cada vez mais corriqueiro ouvir teólogos adotando essa preconceituosa antipatia pela moral cristão-medieval. Na verdade, o argumento mais forte que encontram aqueles que defendem essa ideia é dizer que a moral dos escolásticos é em demasia espiritualista e desencarnada. Desta espécie de “pré-conceito” é vítima inclusive Tomás de Aquino. De resto, tem-se tornado um lugar-comum dizer que o caminho para se construir uma moral sadia começa forçosamente pela superação do que eles chamam de rigorismo medieval. Porém, nada mais injusto do que chamar a concepção moral de Tomás de Aquino de desencarnada ou de se afirmar que Tomás despreza o corpo quando estuda o comportamento ético. Entretanto, para entendermos o quanto se equivocam aqueles que assim pensam, mister é compreendermos algumas notas da antropologia tomasiana. Mostrar como esta antropologia tomásica se distingue do dualismo platônico na teoria e na práxis do agir ético é o objeto precípuo deste texto.
Procederemos assim: antes de tudo, mostraremos que a concepção que Tomás tem de homem, mediante o conceito de união substancial entre matéria e forma nas substâncias sensíveis, resgata o corpo como parte da natureza humana; em seguida, como para Tomás o agir segue o ser e o modo de agir o modo de ser, veremos que um homem, cujo ser constitui-se da união entre alma e corpo, não pode agir somente de acordo com a sua alma se quiser agir eticamente; por fim, arrolaremos exemplos práticos de como Tomás aplica esta teoria na práxis.
A principal fonte da nossa abordagem será a Summa Theologiae de Tomás de Aquino, na sua mais recente tradução brasileira, empresa de fôlego das Edições Loyola, que resultou no aparecimento de nove volumes, entre os anos de 2001 a 2006.