Neste artigo, queremos fazer uma análise de como podemos alcançar o esse – ato de ser (actus essendi) – no nosso processo cognoscitivo. Com efeito, nas substâncias sensíveis, como se nos apresentam, a essência (essentia) e o existir (esse) acham-se intimamente associados. Como distingui-los para não confundi-los? Como descobrir que eles não são idênticos, conquanto intrinsecamente ligados na substância? Na nossa concepção, é somente a segunda operação do intelecto, a saber, o juízo, no qual a inteligência atua compondo e dividindo os conceitos, que conseguimos ultrapassar o plano da essência e do conceito e atingirmos a esfera do existir (esse). Ora, segundo pensamos, o âmbito do existir (esse) é o bojo metafísico da realidade, o qual só encontra a sua equivalência gnosiológica no plano do juízo. O que desejamos mostrar é precisamente isto, vale dizer, que, do ponto de vista gnosiológico, o espaço metafísico corresponde ao dinamismo do juízo. Destarte, o juízo é, por assim dizer, o lugar da metafísica no processo do conhecimento. É nele que nasce a metafísica, e é nele, consequentemente, que ela se fundamenta. Eis o que queremos mostrar.
Procederemos da seguinte forma: antes de tudo, discriminando como ente e a essência são o objeto próprio do nosso intelecto, e que, para alcançarmos o esse, vale lembrar, o ato de ser (actus essendi), será mister transcendermos este plano natural do nosso intelecto, cuja primeira operação consiste justamente na apreensão da essência e na sua expressão no conceito. Em seguida, tentaremos explicar em que consiste o juízo e como é nele que descobrimos o espaço do esse no processo gnosiológico. Posteriormente, delinearemos, minudentemente, o papel que o verbo ser exerce no juízo. Nesta perquirição, a fim de traçarmos bem quais são estes papéis exercidos pelo verbo ser no juízo, forçosamente teremos que reiterar várias conclusões já obtidas, a fim de acentuarmos o que nos esmeramos por definir no nosso artigo. Por fim, faremos as considerações finais do texto, mostrando quais são as consequências desta abordagem para a leitura e compreensão da metafísica tomasiana.
O nosso texto não pretende ser um texto de lógica, mas tão somente um lugar onde podemos meditar acerca do “como” a ontologia tomásica acaba por desembocar numa metafísica, mormente, no seu processo gnosiológico. Em outras palavras, desejamos mostrar em que momento a teoria do conhecimento de Tomás ganha propriamente um status de metafísica. Anelamos tornar patente como ocorre, no seio desta gnosiologia, a passagem da ontologia clássica da essência ou da forma para a transcendência metafísica da ontologia do ser concebido como ato de ser (actus essendi) ou ato de existir (actus existendi). A resposta nós já adiantamos. Esta passagem ocorre na dinâmica do juízo, que sucede à simples apreensão da essência e antecede o raciocínio. Para mostrarmos como isso se dá, lançaremos mão, sobretudo, do minucioso estudo de Étienne Gilson, consignado no clássico: Le Thomisme. Introduction au Siystème de Saint Thomas D’aquin (1919). Valer-nos-emos da versão castelhana (1960) da obra – única autorizada do original francês – vertida por Alberto Oteiza Quirino em: El Tomismo: Introducción a La Filosofía de Santo Tomás de Aquino. É claro que estaremos também em contato com os textos do próprio Aquinate. Entretanto, como ele nunca sistematizou uma “teoria do juízo”, máxime neste artigo, teremos a meticulosa síntese proposta por Gilson como uma referência preponderante.