Este texto versará sobre o tratado das leis, conforme consignado nas quaestiones 90 a 97 da Summa Theologiae de Tomás de Aquino. Alguns articulos e quaestiones deste tratado serão omitidos, por tratarem de temas teológicos. A nossa exposição pretende ater-se às questões relevantes à filosofia. O que desejamos demonstrar é que, em Tomás, é pelo móvel externo da lei, que a Providência Divina, isto é, o próprio Deus insere-se na vida da civitas. Ademais, esmeramo-nos para evidenciar que, a presença de Deus como fundamento das leis, em Tomás, longe de ser um recurso que justifique o autoritarismo, o despotismo, a ditadura ou qualquer outra forma de tirania, é, antes, um elemento que torna injustificáveis todas estas práticas. Perceberemos que o exercício da razão prática no Aquinate, ao contrário do que comumente se pensa, traduz-se num uso muito realista e atual quanto aos seus princípios, mormente pela ação do princípio da equidade. Nada mais estranho a Tomás do que uma ética ou política “manualística”, casuística.
No desenvolvimento desta temática, servirão de adminículos as quaestiones da Summa já mencionadas. Antes de qualquer coisa, procuraremos definir o que é uma lei, a sua procedência e o fim à qual está destinada, bem como a quem pertence fazê-la e como deve estabelecê-la por promulgação. Em seguida trataremos das diversas leis: a eterna, a natural e a humana. Acerca da lei eterna, tentaremos defini-la, verificando qual seja a sua abrangência e cognoscibilidade, além de como as demais leis procedem dela e quais as coisas que estão a ela sujeitas. Em se tratando da lei natural, esforçar-nos-emos por defini-la, discriminando os seus primeiros princípios. Depois tentaremos salientar de que modo ela ordena os atos das virtudes e se ela é una para todos. Enfim, analisaremos a questão concernente a possibilidade de ela ser mudada e abolida do coração do homem. No que se refere à lei humana, estabeleceremos qual seja a sua necessidade, como deriva da lei natural e a quem ela se estende. Posteriormente, tentaremos mostrar que não cabe a ela coibir todos os vícios e nem preceituar todos os atos de virtudes, exceto quando este preceito redundar em proveito do bem comum, ao qual ela visa diretamente. De resto, verificaremos em que circunstâncias ela pode obrigar no foro da consciência. Depois de termos tratado das diversas leis, pesquisaremos como as leis humanas devem ser aplicadas e a quem pertence dispensar do seu cumprimento, em caso de necessidade. Em seguida, indo para quaestio 120, da II-II, falaremos do papel preponderante da virtude da epiqueia: tanto na elaboração quanto no cumprimento das leis. Após isso, esforçar-nos-emos por mostrar se as leis humanas podem sofrer mudanças e quando isto deve eventualmente acontecer. Ademais, procuraremos ressaltar a força dos costumes no que toca às leis. Por fim, tentaremos salientar os efeitos da lei. Seguir-se-ão, então, as considerações finais deste trabalho. A fim de levarmos a termo esta empresa, valer-nos-emos, como de fonte primária, da Summa Theologiae de Tomás de Aquino, quaestiones 90 a 97 da prima secundae, como inicialmente nos referimos. Transitaremos pela recente tradução brasileira – empresa de fôlego das Edições Loyola – e que resultou no aparecimento de nove volumes, entre os anos de 2001 a 2006. No que toca aos comentadores, trafegaremos pelo clássico Le Thomisme. Introduction au Siystème de Saint Thomas D’aquin (1919) de Étienne Gilson. Frequentaremos a versão castelhana (1951) desta obra – única autorizada do original francês – por Alberto Oteiza Quirino: El Tomismo: Introducción a La Filosofía de Santo Tomás de Aquino. |