Este texto foi feito a pedido do eminente e proeminente Pe. José Balbinotti, pároco da igreja Nossa Senhora do Carmo, que integra a paróquia Nossa Senhora da Guia, e é a Igreja Matriz da cidade de Várzea Grande, Mato Grosso. O texto fora confeccionado para um discurso do ilustríssimo missionário saletino, a respeito da aparição da Santíssima Virgem em Salette, na França.
Segue em anexo um conciso conspecto do século XIX, no que toca à História da Filosofia, que abrange o interstício entre o seu nascimento até a aparição de Nossa Senhora em Salette, em 1846. Espero que o texto tenha ficado coeso, malgrado o pouco tempo que tivemos para elaborá-lo.
Optei por expor, sucintamente, as ideias de três insignes pensadores da época: Feuerbach, Marx e Comte. Todos, de algum modo, precursores e difusores do chamado humanismo ateu ou ateísmo militante. Não quis aprofundar-me no tema do ateísmo niilista (que proclama também a morte do homem), que é mais teorético, até porque tal movimento parece ter-se desenvolvido ou mesmo nascido no interregno ocorrido após a aparição da Santíssima Virgem e o começo do século XX.
Não deixei, todavia, de citar também alguns exímios teólogos, que fizeram argutas análises sobre o tema do ateísmo: Karl Rahner e Henry de Lubac, ambos da Societas Iesus, e, ainda, o conspícuo filósofo contemporâneo, Nicola Abbagnano. Procurei, enfim, fazer tudo convergir para as repercussões religiosas destas doutrinas.
Observo ainda que fiz alusões a pensadores da tardia Idade Média, nomeadamente Frei Guilherme de Ockham, e teólogos modernos, como o reformador Martinho Lutero, visto que, na nossa modesta apreciação, consoante a muitos historiadores da filosofia, eles foram preconizadores de muitas ideias que geraram o próprio ateísmo contemporâneo, seja o teorético ou especulativo, seja o prático, seja, enfim, o ativo e agressivo ateísmo militante socialista.
A importância do texto, conquanto sucinto, consiste em levantar o problema e o drama do ateísmo, que continua presente, de uma forma ou de outra, em nossa cultura e até ao nosso redor. Debalde negaríamos que, em nossa sociedade, há um crescimento assaz progressivo do fenômeno do agnosticismo e do indiferentismo religioso, relíquias do ateísmo, e que hoje se levantam, em conluio com ele, contra tudo o que é sagrado. Portanto, é preciso dar vazão à exortação Conciliar, que já nos colocava ante o desafio de defrontarmos a nossa fé com a propensão expansiva, e até agressiva, de uma ideologia antirreligiosa que quer se impor e se apresentar como uma exigência indeclinável para o progresso da humanidade, alastrando-se rapidamente:
Por outra parte, multidões cada vez mais numerosas afastam-se praticamente da religião. Ao contrário dos tempos passados, negar Deus ou a religião ou abstrair de ambos não é mais algo insólito e individual. Com efeito, tais atitudes apresentam-se hoje não raramente como se fossem uma exigência de progresso científico ou de CE certo humanismo novo. Todas estas coisas, em muitas regiões, não somente são expressas nas máximas dos filósofos, mas também atingem amplamente as letras, as artes, a interpretação das ciências humanas e da história e as próprias leis civis, de tal modo que em conseqüência muitos se perturbem. (CONCÍLIO VATICANO II. Gaudium et Spes. n. 7).
Mas o alerta não se restringe apenas às declarações do Magistério, à guisa de denúncia, também é trazida à baila por filósofos e cientistas políticos, que apontam, com clareza inolvidável, para a gravidade do momento:
O ateísmo ganhou terreno: chegou ao povo e – aqui a frase deveria ser tomada ao pé da letra – perverteu o senso comum. Antes se falava da religião como instrumentum regni. (...) Hoje a proposição deveria ser invertida: o político deve se defrontar com um senso comum que, em grande parte, está privado daqueles que, segundo a concepção tradicional, eram os postulados da razão prática: Deus, imortalidade da alma, responsabilidade pessoal. (DEL NOCE, A. Le matrici storico-politiche dell’ateismo. Milão: Massimo, 1981).
Seria demasiada presunção de nossa parte querer propor aqui uma solução, vislumbrar um antídoto, ou mesmo dizer qual seria o melhor caminho para desencadear um processo de contenção ou atenuação do “mal gravíssimo” do ateísmo e suas nuances. Apenas observamos, seguindo a genial intuição de Jacques Maritain e outros filósofos e teólogos (Rahner), que uma das causas do ateísmo é a ignorância religiosa. Na verdade, há pseudo-ateus, isto é, pessoas a quem o epíteto “ateus” não cabe propriamente, visto que apenas “(...) crêem que não crêem em Deus, mas que na realidade inconscientemente crêem nele, pois o Deus cuja existência negam não é Deus, e sim alguma outra coisa.” (MARITAIN, Jacques. La signification de l’atheísme contemporain. Paris, 1949. p. 9). Quanto a estes, alude Palumbieri: “Talvez não contestariam a existência de Deus se a noção que dele têm fosse menos vulnerável. Se, por um lado, eles são ateus, pois negam existência e valor a Deus, por outro não podem ser considerados ateus autênticos, pois substancialmente rejeitam uma noção que não é digna da divindade.” (PALUMBIERI, S. L’ateismo e l’uomo. Nápoles: Ed. Dehoniane, 1986. p. 65). Fica em aberto o desafio de um novo anúncio, de uma nova evangelização, que repercuta numa repristinização da teodiceia e da própria apologética cristã; em uma palavra, há de se desenvolver um esforço no sentido de se instaurar uma educação religiosa assaz mais viva, a fim de que se produza também uma cultura religiosa assaz mais sólida. “Quomodo”? Esta solução ainda está por ser construída!
O texto nos valeu a lisonja de um reconhecimento, por parte do preclaro confessor e confidente: “Meu querido amigo Sávio. Recebi, o trabalho, excelente sintetizado, contém tudo. Fico muito agradecido no momento. (...) Mais uma vez muito obrigado. Deus lhe pague. Abração e minha benção. Pe. José.”